Quinze horas no meu relógio!
Devo apressar-me para chegar até o prédio onde trabalho. Porém, como sempre,
sem desembaraço, pois o chão que caminho é de vidro e não pode quebrar sob mim,
visto que cairia eu num precipício sem limite.
Vivo diante desse martírio já
que não suporto altura e me sinto sempre atraído pelo chão como quem está
prestes a desmaiar, dominado por vertigens intensas. Dizem que os medos que
carregamos conosco sempre procedem de algum trauma de infância, mas não lembro
eu de algum momento decorrido que justifique meu pavor de altura.
E por mais que eu não quisesse
me locomover diariamente para evitar o meu tormento, sou obrigado a levantar
todos os dias da minha cama e pisar num chão de vidro. Escovo os dentes, tomo
banho, me arrumo, saio de casa e percorro uma distância incomensurável até o
prédio onde eu trabalho que é todo feito de vidro, assim como os outros prédios
da cidade. Caminho sempre olhando para o alto e vez ou outra me vejo tropeçando
num meio fio ou em uma saliência qualquer, e meu coração sempre dispara. Às
vezes imagino que vou infartar qualquer dia desses, mas se meu coração já
suportou a pressão de mais de três décadas vividas, porque iria vacilar agora?
Trabalho no 13º andar. Dizem
que o número 13 dá azar, mas sou eu incrédulo demais para dar importância à
tamanha tolice. Porém, ao mesmo tempo, me sinto um azarado, pois queria eu
trabalhar no primeiro andar, ao invés do décimo terceiro. Lá do meu escritório
daria para ver todos os demais dos andares inferiores, entretanto, há uma
conduta de ética, onde ninguém pode olhar o que fazem os funcionários que
trabalham nos andares abaixo e nos acima.
Curiosamente, já faz mais de
oito anos que trabalho aqui e nunca vi ninguém olhando para cima ou para baixo.
As pessoas sempre andam olhando para frente, às vezes de uma maneira tão
mecânica que nem parecem que estão vivas! Parecem meros robôs programados para
seguir determinadas normas de conduta e fazer tudo sempre do mesmo jeito. E
parece tudo tão perfeito que me sinto incomodado e predisposto a ser antiético
pelo menos uma vez na vida. Mas se fizesse eu tal descomedimento o que haveria
de acontecer? Nenhum homem até hoje se atreveu a quebrar as leis regidas pelos
nossos superiores, pelo menos até onde eu saiba, e por isso não faço ideia de
quê tipo de punição eu experimentaria se me atrevesse a desobedecer, pois a lei
não expõe tais conseqüências.
Chegando ao meu escritório, enquanto procuro por algo que muito me interessa,
percebo certa movimentação no andar abaixo. Seria algum dos seguranças? Pois
nenhum dos funcionários trabalha aqui em dia de feriado nacional, apenas os
seguranças. Porém ouço uma voz feminina, mas nenhuma mulher faz serviço de
vigilância por aqui, então quem será? A mulher parece murmurar algo que não
compreendo daqui de cima, mas parece aflita com algo.
Minha vista vacila, procurando
observar alguma coisa contra a minha vontade, mas coloco uma mão sob ela, para
evitar que isso aconteça. Minha mão, entretanto, quer sair por debaixo dos meus
olhos e liberar tal contemplação misteriosa que me aguça a curiosidade.
(Fonte: fotolog) |
De repente, ouço alguém
batendo a porta violentamente e não é a misteriosa moça, ou seja, ela não está
sozinha lá embaixo. O que será que acontece? Porque eu não posso ver?
Privaram-me da liberdade de enxergar o que quero e a sociedade só me permite
ver aquilo que eles me colocam como imposição? Ridículo! Se ninguém até hoje teve
a ousadia de quebrar os tabus, serei eu o primeiro a contrariar os princípios
estipulados pelo ser humano!
De súbito, virei minha cabeça
para baixo e a primeira coisa que pude observar foi o grande abismo repartido
pelos escritórios dos andares inferiores. Ao mesmo tempo, fui atacado por
violentas vertigens causadas pelo pânico que tenho por altura! Meu coração
acelerou, minhas pernas se desequilibraram e eu senti meu corpo ser puxado em
direção ao chão. Procurei algo para me segurar, mas não tinha nada por perto e
meu estado de pânico não me permitiu que movesse um dedo naquele momento. Só
então me lembrei das pessoas que estavam no andar abaixo do meu: eram três
homens e uma mulher, vestidos com um uniforme vermelho com algumas faixas
azuis. Não eram do corpo de bombeiros, nem da polícia, nem para-médicos. Eram
as únicas opções que me vinham à cabeça naquele momento, não conseguia mais
raciocinar. Pude perceber o desespero estampado na cara deles quando me viram
lá em cima deitado no chão os encarando com os olhos esbugalhados. Eles corriam
desnorteados de um lado para o outro gritando, mas era estranho, pois eu nada
ouvia. Parecia que eles tinham perdido a voz, ou será que eu quem tinha
perdido a audição?
Tentei gritar lá de cima para
perguntar o que estava ocorrendo, mas, por incrível que pareça, eu não
consegui, perdi minha voz. Tentei gritar com todas as minhas forças e não
consegui. Tive vontade de chorar, mas não dava conta, meus olhos estavam secos
e o desespero atacava somente a minha alma, nada mais.
Repentinamente ouvi um zumbido
vindo ao longe. Na verdade, não era bem um zumbido, mas um som agudo e
penetrante que foi aumentando gradualmente, como se estivesse se aproximando.
Enquanto isso observei a mulher em prantos apontando para o norte, enquanto os
homens me encaravam com um olhar atordoante, como se quisessem dizer que eu fui
culpado por algo, mas o que seria?
Virei minha cabeça
vagarosamente em direção ao norte, e vi alguns prédios ao longe se estilhaçando
por completo, lá de onde vinha aquele barulho ensurdecedor. E a cada segundo
que passava, o barulho se intensificava em múltiplos crescentes. Minhas mãos
nos ouvidos eram inúteis agora, meus tímpanos já tinham estourado e minha
cabeça parecia querer explodir de tão insuportável dor que eu sentia. O sangue
escorria latente sobre minhas mãos e os prédios mais próximos começaram a
estourar. O mundo parecia estar em colapso! E quase para desmaiar senti o chão
que me sustentava começando a trincar. O barulho intolerável parecia querer
destruir tudo com bastante furor, como um deus ensandecido castigando as suas
criaturas. De repente, o teto desaba sobre mim e acabo sendo perfurado por
milhares de estilhaços de vidro que caem infinitamente em meu corpo que é
lançado como um farrapo infinitamente no abismo ao redor de inúmeros cortantes
que me flagelam incessantemente, ao som de um furioso barulho, ou melhor, de um
grito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário