Num dia de
páscoa, certa vez estava eu perambulando pelas ruas com um grande amigo, o Leo,
conversando sobre histórias da infância, relembrando ‘traumas’ e situações
embaraçosas que a gente já passou. Ele, aliás, teve um passado recheado de
histórias em que o ‘chicote comia solto’, com uma mãe nordestina arretada que
resolvia tudo na base da chinelada e do porrete! É sério, o negócio era tenso:
se respondesse ela, ele levaria uma mãozada na boca; se apanhasse de alguém na
escola levaria outra surra ao chegar em casa pra largar de ser mole; se chorasse
apanharia para engolir o choro; e se não chorasse apanharia mais porque se não está
chorando era porque não tinha apanhado o suficiente. Definitivamente Dona
Marisa jamais se adaptaria aos tempos atuais com a lei Maria da Penha em vigor.
Fonte : (noticiasengracadas) |
Entre as histórias
tragicômicas que o Leo já vivenciou, uma me chamou bastante atenção pela
peculiaridade dos fatos. Estava ele e
seus dois irmãos na cozinha de Dona Marisa brincando com ovos numa véspera de
Páscoa, o que já não era lá uma boa ideia, sabendo o temperamento da mãe que
eles tinham, entretanto, a inconsequência é uma das características básicas de
um jovem pentelho. O objetivo da marmotagem era um arremessar ovos na direção do
outro sem deixá-los quebrarem ou caírem no chão. Mas como cada um pensava em
ferrar o outro, a malandragem era aumentar a força do arremesso ou então mirar
numa posição nada estratégica para que o outro não conseguisse agarrar o ovo
com facilidade. O resultado disso, como já era de se esperar, foi a cozinha
virando um grande omelete. E a ficha dos irmãos caiu só após terem visto o
resultado do estrago que fizeram na impecável cozinha de Marisa.
Após a
bagunça Leo e seus irmãos trataram de dar uma faxina no local antes da mãe
deles voltar do trabalho. Porém, esconder vestígios de sujeira de uma dona de
casa que, no quesito “limpeza domiciliar”, é mais minimalista que um agente do
FBI é uma grande perda de tempo. Dona Marisa chegou, repousou suas sacolas no
sofá da sala, passou rapidamente pelo quarto dos garotos, um mais desconfiado que
o outro, foi na cozinha e detectou panos de chão melados; paredes, geladeira e
fogão manchados e a caixa de ovos vazia na geladeira. Leo e seus irmãos, por
sua vez, já estavam sentindo que a mãe tinha descoberto o caos que eles
protagonizaram. Enquanto estavam no quarto apreensivos olhando no rumo da
porta, viram a mãe passar calmamente pelo quarto sem falar nada. Depois de uns
cinco segundos ela surge de novo na porta berrando:
- QUE DIABOS
ACONTECEU NA MINHA COZINHA SUAS PESTES DO CÃO ENDEMONIADO?!!!! BRINCANDO COM
OVOS DE NOVO, MAS SERÁ POSSÍVEL?!!!
O irmão mais
novo já começou a chorar, o do meio ficou num tremelique incessante e o Leo
ficou implorando para não apanhar. Dona Marisa, todavia, prometeu que não ia
dar uma surra neles naquele dia, porém, já que eles gostavam tanto de brincar
com ovos ela iria propor uma brincadeira pra eles no dia seguinte, durante a
páscoa, e jurou que seria bem divertido. Os rapazes, contudo, não estavam com
um bom pressentimento a respeito disso.
Um dia depois
estavam todos esperando para saber o que Dona Marisa estava preparando para os
pestinhas. Ela inicialmente pediu que os três fossem na casa de uma tia deles
buscar uma panela emprestada enquanto ela terminava de pintar e decorar uns
ovos. Quando os meninos voltaram estava a mãe sentada no sofá da sala com um
cinto na mão à espera dos filhos. Foi então que ela propôs a tal ‘brincadeira’
que tinha sido referida no dia anterior:
- Então,
vocês não gostam de brincar com ovos em casa?! Então a gente vai brincar
bastante hoje. Sabe aqueles ovos que eu estava cozindo e decorando lá na
cozinha? São nossos ovos de páscoa e a brincadeira que eu proponho é uma caça
aos ovos. Vocês já fizeram isso em outras páscoas, se lembram? Pois é, o
objetivo é o mesmo, a diferença é que quem não achar os ovos vai apanhar de
vara até perder a força nas pernas! Não é divertido?
O irmão mais
novo começou a chorar, o do meio começou a pedir perdão, prometendo que nunca
mais faria bagunça na cozinha e Leo questionou:
- E quem
achar um ovo tá livre da surra?
Dona Marisa
esclareceu:
- Da surra,
sim, mas não do castigo de 2 meses sem mesada, videogame, computador e sair pra
rua...
O irmão mais
novo raciocinou:
- E quem
apanhar está livre do castigo?
- Não!!! –
Esbravejou a mãe razinza. E o menino voltou a chorar.
Dona Marisa
ainda acrescentou:
- E vocês têm
meia hora pra encontrar os ovos! Se esgotar o tempo o ‘couro vai comer’ aqui
hoje!! E o tempo já está passando corre, corre!
E foram os
três correndo desesperadamente pela casa. Leo corria de cômodo em cômodo
vasculhando cada perímetro da casa e nada. Ninguém imaginava quão difícil
poderia ser encontrar um ovo escondido dentro da própria casa. Além disso,
ninguém sabia quantos ovos eram afinal de contas. E se fosse um para ser
disputado pelos três, tal qual ‘Jogos Vorazes’, onde apenas um sobreviveria? Ou
será que seria mesmo um ovo para cada um dos irmãos? Talvez não houvesse nenhum
ovo escondido e a surra seria iminente. Enfim, a questão era que o tempo estava
correndo e nada de ovos decorados. Leo vasculhou dentro das gavetas, atrás do
armário, dentro das lixeiras, debaixo do sofá, até nos locais mais improváveis,
como dentro do ralo do banheiro. Quando estava certo de que não havia nenhum
ovo escondido ouviu um grito do irmão mais novo:
- Achei!!! –
Exclamou o garoto vitorioso.
- Onde achou
este ovo? – Indagou Leo.
- Debaixo do
travesseiro da sua cama.
- Como assim,
eu olhei umas três vezes lá e não encontrei nada. Deixa eu ver. – Leo, ao pegar
o ovo percebeu que ele nem era de chocolate, era apenas um ovo de galinha com
casca pintada. Quando foi entregar para o irmão mais novo o outro chegou de
supetão e tomou o ovo da mão de Leo e se pôs a correr:
- Achei um
ovo! – E enquanto corria saltitante com o ovo do irmão mais novo pela casa, o
irmão do meio não foi capaz de prever uma cintada que veio na velocidade da luz
diretamente nas suas pernas, o fazendo cair já chorando.
- Isso é pra
você aprender a não trapacear! Não criei filho meu pra ser vigarista! –
Esbravejou Dona Marisa. O irmão mais novo presenciando aquela cena correu logo
em seguida para zombar do azar do seu irmão caído no chão choramingando:
- Bem feito,
bem feito! – Quando, de repente um “SHILAPT” fez um sorriso se transformar num
choro.
- E isso é
para você aprender a deixar de ser lerdo, não criei filho meu pra ser passado
pra trás pelos outros! – E virando na direção de Leo completou: E você, ainda
lhe falta 5 minutos para ser o próximo a apanhar.
Fonte: (efbafamiliafeliz) |
Sabendo das
suas chances ínfimas de encontrar outro ovo pela casa, Leo decidiu arriscar
tudo ou nada com um plano audacioso. Enquanto a mãe megera estava no quarto com
os outros irmãos ele correu para cozinha e encontrou as tintas e o pincel que a
mãe usou para decorar os ovos. Foi na geladeira, pegou um ovo e, lembrando como
o outro estava pintado, tentou reproduzir exatamente o mesmo desenho na casca
do que ele possuía. Correu até a sala sacudindo o ovo com a mão para a tinta
secar rapidamente e esperou pela Dona Marisa. Após ter encerrado o tempo de
caça aos ovos, a mãe encontrou o filho na sala com o ovo na mão e disse:
- Parabéns!
Parece que você encontrou mesmo mais um ovo. Onde foi que você achou esse,
posso saber?
Leo começou a
suar frio, desconfiando que a mãe já soubesse que aquele ovo não era um dos que
ela tinha escondido.
- É... – Leo
pensou e pensou e por fim disse – No seu quarto. – Enquanto Marisa o encarava
fixamente com o olhar nos seus olhos. Depois de um tempo de silêncio ela
respondeu:
- Muito bem.
– E saiu em direção ao banheiro. Leo respirou aliviado, mas depois de um tempo
ela voltou e disse:
- Ah sim, a
proposito, pode comer o seu ovo.
- Comer? Mas
não é de chocolate, é de galinha.
- Sim, mas eu
os cozi antes de esconder e sei que você adora ovo cozido...
- Hum...
bem... eu não tô com muita fome e tenho a impressão de que esse ovo nem está
tão bem cozido. – Diz Leo sem saber mais o que justificar pra sua mãe.
-Sério?!
Deixa eu ver aqui – Dona Marisa pegou o ovo, apalpou, observou o desenho da
casca, pensou e depois concluiu:
- Só tem um
jeito de a gente descobrir se este ovo está bem cozido ou não.
- Como? –
Indagou Leo curioso.
- Assim! – E Dona
Marisa pegou o ovo e quebrou na cabeça de Leo fazendo uma grande meleca no
cabelo dele. – Realmente, este ovo não estava bem cozido. Provavelmente nem era
um dos ovos que escondi né Leo?! – Leo abriu o berreiro e se entregou, pois viu
que não podia competir com a mãe dele. Mas se ele achava que isso era tudo,
estava completamente enganado:
- Não chora
não, você não apanhou ainda. Passa pro banheiro e vai pra debaixo do chuveiro
porque é lá que você vai apanhar pra aprender a não mentir nunca mais pra mim!
Não criei filho meu pra ser mentiroso! – E lá se foi meu amigo para mais uma
surra inesquecível.
Depois de ouvir
essa história eu compreendi porque Leo detesta tanto a Páscoa e até ovos de
chocolate ele nem quer ver na sua frente. Mesmo assim ele disse que aprendeu
muito com a convivência conturbada com Dona Marisa, não se arrepende de ter
apanhado e também pôde tirar algumas boas lições disso tudo. Já Dona Marisa, quando
Leo conta essas histórias do passado para ela, esta apenas dá uma gargalhada e
diz não se lembrar de nada disso.